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quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Henri Lefebvre: sua presença e sua ausência nas ciências sociais brasileiras

Henri Lefebvre nasceu em 1901 em Hagetmau (Landes, França) e morreu em 1991. Ele participou de todos os debates do século XX. Apesar de sua formação original em filosofia, ele explorou as matemáticas, a lingüística, a história e principalmente a sociologia. Foi ele o primeiro a traduzir na França, as obras de Hegel, Marx, Engels, Nietzsche e Lênin. Lefebvre descobre em Marx e Engels, uma crítica radical do Estado.

Henri Lefebvre ainda não é muito conhecido no Brasil. Seu pensamento ainda não foi descoberto em toda sua plenitude, apesar disso, há certa influência de suas idéias em algumas interpretações acerca da sociedade brasileira. É possível reconhecer certo interesse sobre suas idéias no Brasil nos dias de hoje, onde alguns núcleos de estudiosos se debruçam sobre sua obra, a exemplo de vários países. Na França, parece existir um renovado interesse por Lefebvre, e assim como no Brasil, alguns eventos (colóquios, seminários, conferências) têm sido realizados sobre seu pensamento onde também tem sido objeto de dissertações e pesquisas acadêmicas.

No Brasil, apenas uma pequena parte de sua obra foi traduzida. Ela está para ser explorada, aprofundada e criticada. Apesar de Lefebvre ser pouco estudado, suas idéias tem produzido um impacto significativo sobre a sociologia brasileira. Mesmo com essa limitação, pode-se afirmar que a teoria e método lefebvreanos têm a enriquecido. Sem falar da paixão que Lefebvre desperta em geógrafos, urbanistas e historiadores.

José de Souza Martins é um dos sociólogos brasileiros que, além de ser um dos principais estudiosos da obra lefebvreana, tem se tornado um interlocutor qualificado, valorizando as idéias do autor francês. Mas não é simplesmente isso, Martins recria e potencializa a perspectiva de Lefebvre à luz do processo histórico brasileiro. Ao longo da sua obra, nos temas variados e diversos que ele trata para construir uma explicação sociológica do Brasil, Martins dialoga criticamente com Lefebvre.


Prof. William Héctor Gómez Soto

domingo, 13 de novembro de 2011

Henri Lefebvre Entrevista 1

Henri Lefebvre Entrevista 2

Henri Lefebvre Entrevista 3

Henri Lefebvre Entrevista 4

Quem tem medo de Mary Burns? A questão da relação entre teoria e pesquisa na Sociologia


 Mary Burns foi uma irlandesa, analfabeta, operária da fábrica têxtil Ermen & Engels, em Manchester, Inglaterra, de que a família de Friedrich Engels era sócia. Como é sabido, Engels foi o parceiro intelectual de Karl Marx, ambos considerados pais fundadores do socialismo científico. Engels tornou-se amante de sua operária, algo que os socialistas sempre criticaram e do que sempre se envergonharam. Era esse um modo dos patrões não só explorarem economicamente seus trabalhadores, mas de os explorarem moralmente através do desfrute sexual de suas filhas. Acabaram vivendo juntos. No entanto, foi ela quem o conduziu pelos cortiços e favelas de Manchester onde viviam miseravelmente os trabalhadores irlandeses e onde ele nunca conseguiria entrar, dada a hostilidade dos trabalhadores aos patrões e aos não irlandeses. Foi ela quem, ao longo da vida, municiou Engels com os detalhes da mentalidade e do modo de vida dos operários locais, a miséria material e moral de sua vida cotidiana. Foi ela quem revelou a Engels o que era a carne da ossatura filosófica das teses e ideias dos jovens hegelianos. Nem Engels nem Marx jamais mencionaram em seus escritos que foi Mary Burns  quem os alertou para a carência de dimensão empírico-indutiva no que hoje se chama, mais apropriadamente, de sociologia marxiana. No entanto, a involuntária participação de Mary Burns  na vida intelectual de Engels foi decisiva para a elaboração do primeiro estudo de sociologia urbana, seu livro sobre A Condição da Classe Trabalhadora na Inglaterra. Engels, aliás, contrabandeava as informações de Mary Burns para Karl Marx, em Londres, cujo desconhecimento da realidade empírica da classe operária, que ele pretendia explicar, atrasara em muitos anos o desenvolvimento de sua explicação científica sobre a formação e a dinâmica das classes sociais. Ele intuía filosoficamente, mas não conhecia sociologicamente. Aliás, essa é uma das razões pelas quais a classe operária do sedentário Karl Marx, não obstante Mary Burns , é uma classe operária filosófica, puramente teórica, como mostrou Agnes Heller, que foi assistente de Georgy Lukács. Diferente do que ocorreu com a obra de Engels,aqui mencionada.
Formulei o tema desse modo porque a sociologia brasileira vem passando por um complicado processo de perda de referência empírica. Os jovens sociólogos tendem a fazer uma sociologia que desdenha a pesquisa empírica cuidadosa e tecnicamente consistente, quase sempre têm aversão ao trabalho de campo, resistem ao amassar o barro nas veredas do sertão e nas ruas imundas dos bairros pobres. Acabam no beco sem saída de uma sociologia dedutiva e filosofante de que resultam estudos em que não se sabe qual é a diferença entre Arapiraca e Paris. Uma das fortes características da tradição sociológica é, justamente, a de trabalhar as singularidades de cada sociedade no marco de sua universalidade, nas enormes diferenças sociais, históricas e culturais que há entre sociedades. Daí resulta uma sociologia que, não raro, é mera cópia simplificada do já dito alhures a pretexto de ser densa interpretação teórica. O real que se encaixe no pretensamente teórico. Esquecem-se que as grandes descobertas teóricas das Ciências Sociais foram feitas no trabalho de campo, como é o caso do "insight" de Lévy-Strauss numa conversa com um índio durante a pesquisa de campo no norte do Mato Grosso, que o levou à formulação do estruturalismo. Ou o "insight" de Henri Lefebvre sobre a tripla dimensão dialética do espaço quando fazia sua pesquisa sociológica sobre as cidades como motorista de táxi, sua técnica de pesquisa para penetrar nas incógnitas do vivido.
José de Souza Martins 

A prontidão na Sociologia: ou de como sair da cadeira e cair na ciência

José de Souza Martins

Dia 17 de novembro, quinta-feira, às 17:30

Prédio de Filosofia e Ciências Sociais - Cidade Universitária (São Paulo) - na sala 118.


Um dos momentos interessantes de Tristes Trópicos é aquele em que Claude Lévi-Strauss, no trabalho de campo, no Mato Grosso, após a experiência como professor de Sociologia na Universidade de São Paulo, em conversa com um índio Nambiquara, deu-se conta de que estava ouvindo um discurso revelador, o das primeiras evidências do seu estruturalismo. Décadas antes, na Inglaterra, um alemão que era estudioso de Filosofia e também empresário industrial, chamado Friedrich Engels, tornou-se amante de uma irlandesa, operária analfabeta de sua fábrica, Mary Burns. Ela tomou-o pelas mãos e o conduziu pelos meandros de miseráveis bairros operários de Manchester, nos quais ele nunca conseguiria entrar, e mostrou-lhe o que era o proletariado de carne e osso. O operário bem diverso do operariado teórico e filosófico de suas interpretações especulativas, logicamente ricas e empiricamente pobres. Por meio das cartas de Engels a Marx, Mary Burns tornou-se a oculta interlocutora que deu substância vivencial ao que era mero esqueleto e pressuposição. Mais perto de nós, o filósofo Henri Lefebvre intuiu a sociologia de que carecia a sua já consistente interpretação da realidade, de quando atuou na Resistência francesa. E completou sua formação sociológica como motorista de táxi nas ruas de Paris, experiência vital que lhe confirmou a lógica triádica do método dialético ao descobrir as contradições e tensões entre o espaço concebido, o espaço vivido e o espaço percebido.

sábado, 12 de novembro de 2011

Inscrições


Inscrições
: basta enviar um e-mail para lefebvre.coloquio@gmail.com
informando seu nome, curso e instituição.

Ruth Cardoso: Inovações teóricas e na militância

Publicado em O Estado de S. Paulo [Caderno Sabático],
Sábado, 12 de novembro de 2011, p. S5.

José de Souza Martins




A Obra Reunida, de Ruth Cardoso, (Editora Mameluco, São Paulo, 2011), em boa hora organizada, a partir de laboriosa garimpagem, por Teresa Pires do Rio Caldeira, coloca ao alcance dos estudiosos e do grande público textos preciosos e dispersos da conhecida antropóloga. Uma densa apresentação da organizadora do volume situa compreensivamente a rica diversidade da obra da autora dos textos, cinco dos quais escritos em colaboração com colegas de pesquisa e de profissão, várias delas suas antigas alunas. Um depoimento de Eunice Ribeiro Durham, que foi amiga e colega de Ruth desde que ambas se tornaram assistentes da Cadeira de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, constitui um esclarecedor e apropriado preâmbulo afetivo e intelectual. Uma contribuição à história das ciências sociais entre nós, da qual ambas se tornaram destacadas protagonistas, como cientistas e professoras, formadoras de toda uma geração de cientistas sociais.
O bem apresentado e anotado volume cumpre a função decisiva de propiciar e facilitar o retorno à obra de uma autora que, por discreta e competente, preocupou-se pouco com sua visibilidade pública, apesar da reconhecida importância teórica de seus escritos. Importância que se desdobra na inovadora concepção de militância política no marco da atuação acadêmica, a de colocar sua vocação de docente e de cientista também a serviço dos desvalidos, no reconhecimento da legitimidade de suas demandas, representações e visão de mundo, como protagonistas de mudanças, mas também como referência de conhecimento. Pela época de sua morte, através do Comunidade Solidária, Ruth desenvolvia um trabalho na periferia de São Paulo, na Cidade Tiradentes. Dava continuidade a pesquisas em favelas e bairros pobres, tema pelo qual se interessara em função da importância que passaram a ter, desde os meados dos anos 1970, os movimentos populares, as chamadas populações marginais e o protagonismo político dos excluídos. O novo caminho da ação política.


A boa ordem na organização dos textos deste livro dá ao leitor o que é também uma biografia intelectual da autora, demarcada pelos momentos significativos de seu crescimento como cientista, do funcionalismo ao estruturalismo de Claude Lévi-Strauss, passando antes pela dialética de Marx. Momentos e temas que expressam uma história pessoal de vivência plena e inconformada das graves vicissitudes desta nossa trágica América Latina. Longe de vivê-los como tormentos pessoais, ainda que na experiência do exílio, Ruth só cresceu na adversidade política, como intelectual inquieta em face dos desafios de compreensão e de interpretação do que via também como desafios sociais e políticos. Poucos na história do pensamento social e político brasileiro tiveram a oportunidade de atar e interpretar tão bem os fios desatados da história sem rumo.
Neste volume, Ruth expõe o quanto teve e ainda tem a dizer sobre desafios interpretativos das ciências sociais, não só da Antropologia, aceitando-os antes que fossem percebidos por muitos outros. Seus estudos sobre o mundo juvenil das famílias japonesas imigradas para o Brasil, dos nisseis em face dos isseis, dos jovens em face dos velhos, indicavam uma escolha teórica e metodologicamente acertada, na referência empírica apropriadamente problematizada.
Sua reflexão teórica sobre a questão do método na antropologia é precisa e está presente nos explícitos cuidados que tinha quanto a isso, qualquer que fosse o tema a ser tratado. Ela era cientista rigorosa mesmo em relação a temas que, parecendo “leves” ou “da moda”, supostamente dispensavam o rigor crítico do verdadeiro pesquisador. É o que se vê em suas análises relativas aos movimentos sociais e particularmente sobre um tema que se mantém controvertido até hoje, o dos movimentos populares e o das comunidades eclesiais de base. Ruth, na perspectiva crítica, joga com o reconhecimento de sua legitimidade, do novo que anunciam, das mudanças sociais e políticas positivas que por meio deles se propõem. Na sequência, remete-os ao plano propriamente teórico para apontar o que neles desafia a tentação do absoluto, da interpretação fechada, do conhecimento reificado. Retomado de maneira politicamente criativa, o conceito de comunidade revela mas acoberta, joga para baixo do tapete, como ela diz, as perturbações do comunitário, as tensões que, disfarçadas no homogêneo, o desdizem e nem por isso o invalidam.
Um tema forte de vários de seus estudos, tratado com grande propriedade teórica, é o da militância, que invadiu as ciências sociais sem maior cuidado. Ruth foi das primeiras a apontar o afã de arriscada cumplicidade entre o pesquisador e as populações estudadas, certo álibi científico para legitimar as lutas sociais, a interpretação como camisa de força, mas também um certo álibi social e político para legitimar a pesquisa científica, sem os necessários cuidados com os requisitos próprios dos cânones da ciência. O ensaio sobre a armadilha do método, um clássico da antropologia brasileira, como que centraliza e “amarra” o volume. Não só porque analisa de maneira erudita os impasses históricos da nossa antropologia e das nossas ciências sociais, mas também porque situa precisamente esses impasses como impasses da produção do conhecimento no diálogo criativo com a realidade, expostos os disfarces para um “ser de dentro” que continuam a confinar o cientista nas ciladas do “ser de fora”.
 *José de Souza Martins é sociólogo e Professor Emérito da Faculdade de Filosofia da USP.
Dentre outros livros, autor de A Política do Brasil Lúmpen e Místico (Contexto, 2011) e Uma Arqueologia da Memória Social - Autobiografia de um moleque de fábrica, (Ateliê Editorial), 2011.

Henri Lefebvre


Nascido em 16 de junho de 1901, na comuna francesa de Hagetmau, no departamento de Landes, na França, Henri Lefebvre morreu em 29 de junho de 1991 pouco depois do seu nonagésimo aniversário.
No fim da sua vida, Lefebvre nos surpreende ao se perguntar: “devo continuar o meu combate pela teoria? Por vezes, pergunto-me se não perdi o meu tempo”. Para alguns podem parecer palavras desoladoras e inexplicáveis, mas elas expressam a consciência do fim do caminho, da sua obra concluída e as amarguras do trajeto espinhoso de uma luta praticamente solitária contra o dogmatismo. Para ele o marxismo devia ser superado dialeticamente, utilizando o próprio método de Marx.
Henri Lefebvre é um dos mais importantes marxistas contemporâneos e sua original contribuição para o pensamento social ainda está para ser devidamente reconhecida. Suas idéias têm sido escassamente difundidas no meio acadêmico brasileiro e em alguns casos sua obra tem sido objeto de leituras  reducionistas ou ainda esterilizadas eliminando o fundamental: a dialética como método de investigação e de análise. Muitas vezes alguns divulgadores o definem ora como sociólogo urbano, ora como filósofo e sociólogo rural. Portanto, no sentido inverso da sua crítica contundente à especialização do conhecimento e às ciências parcelares, mesmo assim seu pensamento tem influenciado geógrafos e especialistas urbanos, sociólogos, cientistas políticos, filósofos e críticos literários. Da sua prolixa produção, apenas uma parte muito reduzida tem sido traduzida para o português. 
Crítico incansável do dogmatismo de qualquer espécie Lefebvre adverte que a falência do marxismo anunciada por muitos, não teve efeitos consideráveis nem entre os “amigos” nem entre os “inimigos”,
pelo contrário mostra simplesmente a enorme fecundidade do marxismo, mas também as transformações da sociedade moderna. O maior desafio, segundo Lefebvre, é inventar o novo, reunindo os elementos dispersos, superando o antigo. A busca do conhecimento novo anima seu espírito inquieto. Sua crítica radical aos seguidores dogmáticos de Marx lhe custou a sua marginalização na esfera acadêmica e no campo da esquerda.  Henri Lefebvre produziu uma obra original. Dedicou toda a vida ao estudo do espaço, do cotidiano, do urbano, da modernidade e do Estado.
Descobriu novas contradições da sociedade moderna e, sobretudo conseguiu prolongar o marxismo, propondo novos conceitos e construindo um original ponto de observação para compreender os problemas sociais contemporâneos.